sexta-feira, 8 de junho de 2012


RIO DO SUL (7)

Rio do Sul fica mais ou menos na mesma altura de Harmonia, porém é maior e fica na estrada para Lagos.  Assim deixamos os nossos empregos e fizemos a nossa mudança.
Na firma em Rio do Sul tinha uma vaga, também no caixa, de modo que também eu consegui logo um emprego.  A firma era relativamente grande: além da loja, a qual tinha de tudo que se pudesse imaginar desde ferramentas, alimentos, tecidos, bebidas até esmalte, havia também uma fábrica de queijos, funilaria, açougue e compravam tabaco dos colonizadores, que era selecionado e comprimido em fardos.  Esses fardos ou eram vendidos para outros estados ou eram enviados ao exterior. 
Desta forma peguei o emprego no caixa, porém não tinha noção de coisa alguma, já que o movimento dessa firma era bem maior do que daquela pequena loja em Florianópolis.  O chefe dessa filial era o filho de 19 anos do velho Paul em Blumenau.  Era um rapaz impetuoso que achava que podia atravessar as paredes com tudo.  Ele mesmo tinha tido uma educação militar bastante rígida e assim também transmitia esse método aos seus funcionários.  Uma parte de seus funcionários diretos, os quais trabalhavam na firma, foram colocados em uniformes e tudo tinha que andar rápido e perfeitamente.  Fui brevemente treinada no meu trabalho (o senhor que me ensinou o trabalho foi muito gentil e em pouco tempo consegui aprender todos os truques do ofício).  Entre minhas obrigações havia um grande caderno de contabilidade, onde tinha que registrar todas as receitas e pagamentos.  Era de praxe que as pessoas comprassem por empréstimo e pagassem com fornecimento de mercadorias ou mesmo com troca, fornecendo produto e recebendo outros em troca.  Às vezes enormes valores eram compensados.  Além disso, tinha um caderno pequeno de contabilidade, onde eram registrados todos os rendimentos e gastos diretos.  E assim, no final do dia, o caixa tinha que bater com a contabilidade.  E ai se não estivesse!  Então tinha que procurar o erro, mesmo que tivesse que ficar até o meio da noite.  No começo não foi fácil e muitas vezes suei gotas de sangue.  Porém com o tempo me familiarizei com o serviço.  No mesmo ano o colega, que me ensinou e repassou o seu trabalho, ficou infelizmente muito doente.  Ele pegou a varíola preta, a qual então tinha se radicado em Rio do Sul. Quando voltou ao trabalho, seu rosto, talvez todo o seu corpo, estava coberto de manchas pretas.  Porém não havia mais perigo de contágio.  Pouco depois ele pegou meningite e faleceu por causa dessa doença.  Meu chefe era muito convencido de si próprio e queria que estivéssemos sempre aos seus pés.  Como essas coisas não me agradavam, tentei sempre sair de seu caminho.  Isso não lhe agradava e por isso tentava de todas as formas me irritar. 
Minha mãe cozinhava para os funcionários, os quais moravam diretamente na firma.  Nós éramos uma dessas famílias.  Tínhamos uma moradia simpática e vizinho a nós ficava a moradia do meu chefe.  Ele gostava de nos visitar e se sentia muito à vontade em nossa moradia.  Tentou várias vezes se aproximar de mim, mas como já havia mencionado, eu não gostava do seu jeito.  Freqüentemente me abordava e dizia: “Então! Vamos fazer as pazes?” Ou então me presenteava com uma caixa de chocolates.  De vez em quando jogávamos “LUDO”.  Porém, também no jogo, sempre tínhamos motivos para entrar em atrito. 
Um dia minha irmã lhe escreveu, sem mesmo conhecê-lo, do Rio de Janeiro, dizendo que queria tirar férias e nos visitar durante Natal, porém queria surpreender aos nossos pais.  No entanto pediu que ele pelo menos me avisasse a respeito.  Assim ele sugeriu que fôssemos a Itajaí para buscá-la no dia que o navio chegasse ao porto.  Ele tinha um carro próprio e queria que eu fosse com ele para Itajaí para esperar minha irmã.  Assim falamos aos meus pais que eu iria com ele para Blumenau para fazer algumas compras.  Como meus pais confiavam inteiramente nele, não fizeram objeções à viagem.  Partimos muito cedo de Rio do Sul, passamos por Blumenau, onde ele passou rapidamente na Matriz, pois seu pai era muito rígido e teria lhe dito "algumas" caso não passasse por lá.  Em seguida fomos rumo a Itajaí.  Dirigimo-nos ao porto, onde queríamos nos informar sobre o horário da chegada do navio, quando fomos informados que o mesmo deveria chegar somente no próximo dia.  Aquilo foi um choque.  Meu pai era de fato também bastante rígido e assim fiquei preocupada no que eu iria ouvir de meu pai.  No entanto não era mais possível fazer qualquer coisa.  Fomos a Cabeçudas para almoçar num restaurante.  Foi um ótimo restaurante e tivemos uma grande refeição completa: sopa e peixe e carne e sei lá mais o quê.  Como eu nunca tive a oportunidade de comer em um restaurante como esse, pensava sempre: “Esse deve ser agora o último prato!” e comia tudo que vinha no prato.  Porém não parava de vir novos pratos e no final estava super satisfeita.  Passeamos pelas margens do Rio Itajaí e ao entardecer meu chefe me levou ao diretor da filial da Cia. Paul, onde pude pernoitar com a família.  Ele se hospedou em um hotel.  No dia seguinte minha irmã chegou com o navio e partimos de volta a Rio do Sul.  A alegria e surpresa dos meus pais foram tão grandes que não recebi qualquer bronca deles por ter chegado um dia após o prometido.
          Em Rio do Sul tive a oportunidade de freqüentar uma associação desportiva, onde uma vez por semana praticava assiduamente esportes.  Lá consegui me relacionar com algumas moças, com as quais ia às vezes a bailes ou íamos a outros encontros e festividades.  Uma vez, no Carnaval, vestimo-nos com calças compridas pretas, coletes amarelos com botões pretos e sobre a cabeça usávamos um boné preto e amarelo.  O nome do nosso grupo era “Bloco do Girassol”.  Primeiramente desfilamos pelas ruas e depois terminamos a noite no Clube de Tiro, onde tinha o grande baile de Carnaval.
O prédio da firma deveria ser reformado e assim tivemos que nos mudar para um prédio maior defronte à companhia.  Minha mãe continuou a cozinhar para os funcionários, de modo que, de maneira geral, não mudou muito a nossa situação.
Enquanto isso tinha já completado 16 anos de idade e tinha evidentemente, como qualquer outra moça da minha idade, as minhas quedinhas por alguém.  Entre eles estava um rapaz, de descendência francesa, que cantava muito bem.  Uma noite fomos acordadas por ele e mais um amigo que estavam na nossa cêrca fazendo-me uma serenata.  O amigo o acompanhava ao som de uma guitarra.  A serenata foi muito bonita e até meus avós, que estavam na época nos visitando, escutavam atentamente. 
Após estarmos mais de um ano em Rio do Sul, a Cia. Paul empregou outro Diretor de Filial, de modo que meu pai foi transferido em 1936 para Blumenau.



quinta-feira, 7 de junho de 2012


FLORIANÓPOLIS (6)

Enquanto isso eu também já tinha completado 14 anos de idade e me envergonhava ter que recomeçar na escola.  Eu me envergonhava por estar numa mesma classe com crianças bem menores do que.  Eu já tinha adquirido uma boa base, porém não tinha nenhum diploma que pudesse comprovar os meus conhecimentos e por isso tive que começar num nível mais baixo.  Cursos noturnos não existiam na época.  Desta forma, continuei tentando me instruir por conta própria, naturalmente com a ajuda dos meus pais.  Também tentei, o mais freqüentemente possível, ler bons livros e tudo isso junto me ajudou bastante na minha formação cultural. 
Eu fiz minha Confirmação em Florianópolis, porém também aqui fui a única, pois já estava acima da idade normal para uma Confirmação.  Nessa cidade não consegui fazer amizades.  Não tínhamos muito contato com pessoas, pois meus pais nunca saiam.  O dinheiro também era escasso, de modo que não podíamos pensar em freqüentar clubes ou locais semelhantes.  Mais tarde começamos a ir num encontro de famílias alemãs.  Isso se deu quando uma vez um grupo de atores, vindos da Alemanha, se apresentou com peças de teatro em algumas cidades no Brasil, fazendo contato com a comunidade alemã e dentre elas, também a de Florianópolis.  Durante essas apresentações, permanecia uma temporada mais longa em cada cidade.  Minha irmã e eu fizemos amizade com dois rapazes desse grupo, com os quais organizamos excursões, juntamente com outros jovens ou às vezes íamos dançar quando esse grupo de artistas fazia suas reuniões informais. Quando o grupo de teatro partiu, a vida tomou novamente seu rumo normal.  Muitas vezes minha irmã e eu íamos após o trabalho ou também aos domingos, tomar banho de mar. Um dia minha irmã resolveu deixar seu trabalho e viajou para o Rio de Janeiro para tentar sua sorte e conseguir um emprego como governanta.  Ela foi através de uma agência de empregos alemã. 
Florianópolis, capital de Santa Catarina, está situada numa grande ilha, a qual está conectada a terra firme através de uma ponte de 800 m de comprimento.  A programação noturna e também do final de semana acontecia no centro, na Praça da Catedral.   Essa praça tinha enormes árvores e estava relativamente bem tratada.  Além disso, no meio da praça tinha um coreto, onde nos fins de semana tocava uma orquestra militar.  As moças se enfeitavam todas e iam à noite passear na pracinha, ao redor da qual ficavam os rapazes que flertavam com as meninas.  Nessa praça ia passear sempre com os meus pais e não participava desse jogo, pois não tinha amigas por lá. 
Carnaval era sempre muito festejado em Florianópolis e na verdade as festividades já começavam muito antes da época com blocos carnavalescos que desfilavam à noite pelas ruas e ao redor da praça.  Havia grande acúmulo de gente, muito confete, serpentina e lança perfume.  Nos três principais dias de Carnaval o movimento aumentava consideravelmente.  Havia fantasias, blocos carnavalescos e, também, os carros alegóricos. 
Um dia estava fazendo compras na cidade, entrei numa loja, a qual produzia artigos bordados à máquina, quando fui abordada pelo proprietário, um alemão, que me perguntou se não teria interesse em ganhar um pouco de dinheiro.  Ele me ofereceu o trabalho de ficar no caixa e ao mesmo tempo deveria ajudar no atendimento à clientela. Fiquei muito entusiasmada e consegui o meu primeiro emprego na idade de 15 anos.  Não ganhava muito no trabalho, porém tinha pelo menos uma pequena mesada. 
Em Florianópolis os rapazes tinham um costume muito estranho: quando uma moça se virava na rua e por um acaso um rapaz estivesse atrás dela, ela poderia ter certeza de que esse rapaz iria segui-la, achando que teria chances de se aproximar dela. Muitas vezes as moças eram abordadas nas ruas pelos rapazes, que às vezes chegavam a incomodar.  Um dia fui seguida por um carro cheio de marinheiros.  No meu desnorteamento entrei rapidamente numa casa e lá fiquei até que os rapazes resolveram desistir de me esperar e seguiram o seu caminho.  Durante um período meu pai vinha me buscar no trabalho, pois um homem da Marinha me seguia diariamente. 
Assim ficamos um pouco mais de um ano em Florianópolis, quando meu pai teve problemas na firma.  Ele não tinha mais gosto pelo emprego e resolveu procurar outra ocupação em outro lugar.  Então achou um anúncio no jornal de uma firma em Blumenau que estava procurando um contador para a sua filial em Rio do Sul.  Meu pai se candidatou a esse trabalho e também foi aceito.  Assim mais uma vez desmontamos as nossas “barracas” e seguimos rumo ao interior de Santa Catarina.


BLUMENAU (5)

Os verões em Blumenau eram sempre muito quentes, pois a cidade se localizava entre as montanhas e o calor se detinha entre elas.  Desta forma, havia muitos casos de malária na região e um dia meu pai também pegou a doença e teve que ser internado no hospital. Naquela época estávamos morando em um quarto no bairro da Velha, já que estávamos começando novamente da estaca zero.  Os móveis que tínhamos eram somente as caixas de madeira, de modo que levamos somente a louça e as roupas.  Minha mãe teve que, igualmente, arrumar um trabalho, pois o dinheiro já não era mais suficiente para vivermos.  Papai estava no hospital e isso custava dinheiro.  Eu estava frequentando a escola e isso também custava dinheiro.  Mamãe saia de manhã cedinho e logo em seguida também eu deixava a casa com minha bolsa de livros escolares, fechava à chave o nosso quarto e caminhava para a escola.  Quando à tarde voltava da escola, almoçava na casa de nossa locadora e depois fazia as minhas lições de casa.  No começo era muito difícil para mim acompanhar as aulas, pois meu português era muito ruim, ou melhor, tão ruim como o português falado pelos caboclos.  A escola que frequentei em Harmonia ensinava principalmente no idioma alemão.  Assim em Blumenau tive que aprender muitas novas matérias, como história, geografia, etc. Como não conhecia nada daquilo, mas também não queria ficar para trás, decorei todas aquelas matérias, mesmo se não entendia nem a metade.  De qualquer maneira isso me ajudou muito no começo e mais tarde comecei a assimilar melhor o que estava estudando.
Depois de um longo período no hospital, meu pai voltou para casa e o médico lhe sugeriu que passasse um período no litoral em Camboriú.  Por coincidência o cônsul da Alemanha em Blumenau tinha uma pequena casa na praia de Camboriú e convidou meu pai a passar um tempo lá.  Como a casinha estava desocupada naquele período, era toda mobiliada e tinha todos os apetrechos necessários para se viver nela (até tinha mantimentos), meu pai resolveu aceitar o convite.  Minha mãe não pôde acompanhá-lo, pois tinha que trabalhar.  Desta forma eu tive que deixar a escola para acompanhá-lo e ajudá-lo nos afazeres de casa.  Na época tinha 13 anos e não tinha nenhuma experiência na cozinha.  Mesmo assim eu experimentei cozinhar e ainda hoje me admiro que ele nunca tenha reclamado da minha comida.  Porém frequentemente íamos comer em um botequim.  Lembro-me que era inverno, chovia muito, as ondas eram enormes e nós éramos, além dos pescadores, os únicos moradores daquela praia.  Mesmo assim gostei muito de ficar lá e somente à noite era às vezes terrificante, quando se ouvia o barulho das ondas e à nossa volta tinha somente uma escuridão total.  Minha irmã já trabalhava na época em Florianópolis como professora doméstica na casa de uma família alemã.  Seu patrão era dono de uma grande livraria.  Um dia chegou uma carta da minha irmã, dizendo que esta livraria estava procurando um senhor alemão para trabalhar no escritório.  Conseqüentemente, meu pai interrompeu o seu tratamento em Camboriú e nos dirigimos a Blumenau.  Eu voltei à escola e meu pai viajou para Florianópolis para se apresentar no possível novo emprego.  Ele foi aceito no trabalho e logo em seguida escreveu uma carta à minha mãe, dizendo que deveria pedir demissão do emprego e ir encontrá-lo para dar uma olhada na região.  Isso foi um pouco antes do Natal.  Temporariamente eu fui morar em Harmonia na casa dos meus avós e minha mãe foi para Florianópolis.  Lá decidiram definitivamente, que deveríamos deixar Blumenau e nos mudar para lá.  Assim alugaram uma pequena casa em Florianópolis na Rua Presidente Coutinho e em 1934 nos mudamos para a nova residência.  

terça-feira, 17 de maio de 2011

INDAIAL - A PONTE PARA O FUTURO (4)

Primeiramente nos mudamos para Indaial, que ficava a apenas alguns quilômetros de distância de Blumenau. Lá meu pai aceitou um emprego qualquer para olhar com mais calma as possibilidades existentes. Eu comecei a ter aulas particulares, pois a minha formação escolar estava um tanto quanto atrapalhada. Meu professor se chamava Murphy.
Nós morávamos diretamente na praça principal da cidade, em frente a uma fábrica de colchas. Fiz amizade com a filha do proprietário. O pai dela era o sacristão da igreja evangélica e era responsável de tocar os sinos às 6 horas da tarde. Naturalmente, nós os jovens, fazíamos isso com grande prazer. A igreja ficava nas proximidades: era necessário atravessar os trilhos da estrada de ferro e subir um pedaço do morro. A corda do sino descia até o chão da torre. Precisávamos nos pendurar com todo o nosso peso na corda para colocar o sino em movimento e depois disso a coisa se tornava mais fácil.

A nossa temporada em Indaial não foi muito longa, pois ficamos apenas alguns meses. Meu pai conseguiu um emprego em Blumenau e por isso nos mudamos para lá.

MORRO DOS CARRAPATOS: AQUI ESTAMOS NÓS OUTR VEZ! (3)

Entrementes tudo havia se tornado selvagem novamente e tivemos que comprar novos animais, porém, após pouco tempo, tudo estava andando como antes. Desta vez compramos somente um cavalo que era preto como piche com uma pequena meia-lua branca na testa. Nós o chamamos de Macaco. Cavalgar era minha paixão e o fazia toda vez que me era possível e ia visitar as minhas amigas em Hammonia. Elas também vinham me visitar uma vez ou outra na fazenda. Agora a vida se tornou mais solitária para mim. Mais uma vez tive que deixar a escola e somente com a ajuda de meus pais pude continuar a estudar. Tive que ajudar ativamente nos afazeres da fazenda. Reavivei minha amizade com as caboclas e que entrementes também já tinham completado 12 anos e com essa idade as jovens já tinham naturalmente outros interesses. Assim freqüentávamos aos domingos as Domingueiras em uma das casas da vizinhança. Um dos rapazes tocava acordeão e nós dançamos ao som daquela música. Já que não tinha nenhuma outra possibilidade de ir a festividades, cinema ou a outros divertimentos, freqüentava com muito entusiasmo esses encontros.
Assim um dia foi festejado um casamento na nossa vizinhança e também nós fomos solenemente convidadas à festa. De manhã cedinho uma carroça, a qual estava enfeitada com enormes leques de folhas de palmeiras, veio buscar o casal e os levou à igreja. Quando a carroça se pôs em movimento, a noiva começou a chorar aos gritos, de modo que seu choro ressoava pela região. Foi dito que isso era um costume local. Se isso era verdade eu não sei, mas poderia ter sido. Meu pai teve que fotografar o casal e depois teve comes e bebes, principalmente muita pinga. Houve uma grande queima de fogos e em seguida podia-se dançar. Como naquele dia tinha chovido muito e todas as ruas estavam cheias de lama, fomos ao casamento descalças. Não chamamos muita atenção, pois os outros tiveram o mesmo problema que nós. Assim também era quando, uma vez ou outra, íamos a um baile na aldeia vizinha, em Nova Bremen (meus irmãos também chegaram a freqüentar esse lugar). Nós levávamos os nossos sapatos nas mãos e caminhávamos descalços até o local e quando lá chegávamos, lavávamos os nossos pés e só então calçávamos os nossos sapatos.
Enfim chegou o dia que meus pais se cansaram daquela vida e colocaram uma placa na entrada da fazenda dizendo “Vende-se essa colônia a um preço módico”. Um belo dia apareceu um comprador e nós finalmente dissemos “adeus” à vida rural. Vivemos seis anos naquela fazenda, incluindo o tempo que passamos em Hammonia (1926 até 1933).

domingo, 15 de novembro de 2009

HARMONIA (2)

Assim vendemos todos os nossos animais, fechamos a nossa casa e nos mudamos temporariamente para Hammonia. Lá, finalmente, tive a possibilidade de freqüentar uma escola. Alugamos uma casa simpática na Rua Baecker.
Hammonia era uma aldeia um pouco maior, onde a maioria dos habitantes era de descendência alemã. Lá tinha uma escola, várias lojas de alimentos, padaria, açougueiro, cervejaria e até uma malharia e uma Prefeitura. Bem perto tinha uma estação de trem, onde havia uma ligação direta com Blumenau. Eram 80 km e uma viagem de trem até Blumenau levava 4 a 5 horas.
Em Hammonia fiz amizade com duas meninas da minha idade. Eram duas irmãs, cujo pai tinha uma grande transportadora. Elas tinham vários cavalos e o pai tinha também um ônibus que uma vez por dia ia à estação de trem “Hansa” para buscar eventuais passageiros. Várias vezes saíamos para passear com os cavalos, às vezes também para tomar banho no rio, pois Hammonia ficava diretamente às margens do Rio Hercílio. Também aos sábados íamos, munidos de sabonete e toalha, tomar banho no rio. Lá era o ponto de encontro da maioria das pessoas das redondezas para o grande banho da semana. Porém, quando chovia muito havia inundação e às vezes a água subia de tal maneira, que invadia as ruas e podíamos praticamente ir de barco para a nossa escola.
Meus avós moravam em Hammonia, os quais, entretanto, também tinham mudado para o Brasil. Minha tia e meu tio haviam se divorciado e tinha voltado para a Alemanha. Meu tio não conseguia mais organizar sua vida e começou a beber. Desta maneira ficou doente e morreu com 33 anos.
Um dado momento foi comunicado que no próximo dia deveria se realizar um casamento de índios. Nas primeiras horas do dia, nós, crianças, já estávamos prontas para o evento. De repente lá estavam eles. Primeiramente chegou um caminhão cheio de índios enfeitados com arco e flecha e também lanças. Esse cortejo parou em frente à Prefeitura e todos desceram. A noiva era uma criada do pacificador de índios, de descendência italiana, e o noivo de fraque e cartola era um verdadeiro Botocudo. Os outros índios (as mulheres) estavam vestidos com cores berrantes, principalmente vermelho vivo, cor de rosa ou amarelo. Como minha amiga e eu queríamos ver tudo nos mínimos detalhes, entramos também no recinto onde deveria acontecer a grande cerimônia. Estávamos encostadas numa parede e defronte tinha uma fila de índios com olhares sombrios, todos ainda com o lábio inferior perfurado, pois usavam enfeites de lábios. Os cabelos oleosos encobriam parte de seus rostos. Resumindo: eles pareciam muito ferozes, tanto é que pouco depois resolvemos silenciosamente desaparecer do lugar. Quando a cerimônia terminou, tiraram fotos, voltaram a subir em seus caminhões e cantando desapareceram novamente em direção aos seus territórios. Os cantos eram muito estranhos e de maneira geral parecia somente uma grande confusão de vozes. Para nós aquilo tudo foi uma experiência muito excitante e para o “domador” de índios foi, provavelmente, um meio de propaganda, somente para mostrar ao povo como ele conseguiu civilizar aquela turma selvagem.
Bem, meu pai trabalhava para a comissão de recepção dos emigrantes alemães/russos. Estes deveriam ser apanhados no porto, alimentados e transferidos até o Rio Craul e redondezas. Todas as coisas necessárias para o assentamento desses emigrantes foram organizadas e meu pai alugou algumas carroças para transportar o pessoal para seus devidos lugares. Um dos nossos vizinhos que era descendente de alemães também participou nesses transportes. Um dia ele disse com toda seriedade ao meu pai: “O senhor sabe, me contaram uma vez de que a terra se girava, porém eu não consigo acreditar. Eu já fui tantas vezes ao Craul e sempre passei pelo mesmo caminho. Se a terra se girasse, o caminho deveria estar sempre em outro lugar!”
Quando esse grande fluxo de emigração passou, acabou também o bom trabalho do meu pai e ele então decidiu tentar mais uma vez com a fazenda. Assim mudamos mais uma vez com todos os nossos pertences para o Morro dos Carrapatos.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

continução do MORRO DOS CARRAPATOS

Nossos vizinhos eram quase exclusivamente caboclos, os quais tinham casinhas semelhantes à nossa e que ficavam a uma distância uma da outra de mais ou menos 100 até 200 m. A casa de uma de nossas operárias ficava de frente a nossa, do outro lado da estrada e era também de tábuas. O chão era de barro batido e o telhado também era coberto com folhas de palmeira. No entanto, o fogão lá era diferente: Era uma espécie de uma grande caixa de madeira, preenchida com barro batido e cuja superfície era lisa. Em cima disso tinha no meio um fogo, sobre o qual se pendurava uma chaleira. Sobre uma estrutura, a qual ficava ao longo da parede, encontrava-se uma tábua de 10 cm de altura, que servia de banco e quando ficava frio, a família toda sentava em volta do fogo.

Os caboclos eram pessoas muito amáveis e prestativas. A qualquer hora era possível pedir conselhos ou ajuda e eles estavam imediatamente à nossa disposição. A maioria deles falava um pouco de alemão, de modo que a comunicação entre nós não foi tão difícil. Naturalmente também eles vinham freqüentemente que pedir a nossa ajuda. Minha mãe, principalmente, fez muito por eles, como, por exemplo: quando alguém ficava doente ou tinha qualquer outro problema de saúde. Uma vez a senhora, a qual trabalhava para nós, veio correndo, toda agitada, e já de longe gritava: “Dona Johanna, venha, venha depressa ver minha Maria. Ela está se sentindo tão mal!” Minha mãe correu à casa da senhora e quando chegou lá notou que a Maria estava com dores de parto e que estava prestes a dar a luz à uma criança. Assim, minha mãe teve até que agir como parteira. Até para cortar os cabelos das crianças, uma vizinha nossa, que também trabalhava para nós, vinha sempre para nossa casa. Eles, por outro lado, nos ajudavam freqüentemente com os seus simples, porém muito bons remedinhos. Uma noite um dos nossos touros ficou doente. Ele estava com uma barriga toda inchada e gritava sem parar de tanta dor. Chamamos uma das nossas vizinhas e elas sugeriram preparar uma bacia com uma solução bem forte de água com sabão e fazer o touro engolir o preparado. Depois tivemos que fazê-lo andar em círculos e nisso ele começou a vomitar e a "cagar" medonhamente. Pouco tempo depois o touro estava bem de novo. Ele tinha comido sem querer uma mandioca venenosa.

Estes caboclos trabalhavam às vezes para nós (dois ou três e de vez em quando também mais) mantendo a plantação livre de ervas-daninhas ou para limpar uma área de mata virgem. Eles recebiam dinheiro pelo trabalho, ou às vezes recebiam roupas usadas que minha tia de vez em quando mandava da Alemanha.

Eu fiz rapidamente amizade com as crianças e brincava muito com elas. Na região não existiam escolas ou então elas ficavam muito longe, de modo que minha irmã ou também meus pais me davam aulas. Porém, minha ocupação preferida era cavalgar ou subir em árvores. Evidentemente eu também tinha que ajudar muito no trabalho, como, por exemplo, alimentar os animais, buscar água, buscar ração na roça e isso tinha que ser feito com qualquer condição de clima, fizesse frio, chuva ou sol. Os animas tinham fome e tinham que ser alimentados. Às vezes tinha que levar o café da manhã aos operários na roça. Aí eu tinha que subir um morro e andar ainda um bom bocado. Mais tarde eu também tive que ajudar na plantação e capiná-la. De maneira geral sempre andávamos descalços, e com isso criamos uma camada grossa de calos embaixo dos pés, de modo que podíamos andar em qualquer tipo de vegetação e pelas picadas através da mata virgem sem sentir muito os espinhos, pedras e paus pelo caminho. As cobras nos assustaram no começo, porém com o tempo nós nos acostumamos a elas e quando encontrávamos uma, a matávamos a golpes com um pau. Cobras havia aos montes na região, principalmente nas gargantas úmidas. Nosso operário, que trabalhava na mata, encontrou e matou várias vezes grandes Jararacas-Açú e as trazia até a nossa casa para mostrá-las a nós e nos dizia, no seu alemão de caboclo: “Ambrot bonito Leberwurscht!”, querendo dizer com isso, que teríamos um bonito jantar com uma salsicha de fígado. Meu pai tirava a pele dessas cobras, as deixava secar e as mandava para a Alemanha. Também traziam outros animais, às vezes vivos e às vezes mortos, pois sabiam que meus pais sempre pagavam alguma coisa pelos animais. Assim nos trouxeram, por exemplo, gatos selvagens, pequenos tamanduás, macacos, tatus e outros mais.

Os índios “Botocudos” viviam a mais ou menos 15 a 20 km de distância de nossa casa. Antes da nossa chegada ao Brasil chegaram a realmente atacar uma vez ou outra a vizinhança. Aí apareceu um rapaz jovem e corajoso, Eduardo Hoerhahn, que cuidadosamente se aproximou dos índios e lhes fez um sinal que tinha intenções pacíficas. Ele tirou as suas roupas e as jogou aos índios. Eles o pegaram e primeiramente cortaram seus cabelos e fizeram outras coisas com esse Eduardo. Devagarzinho ele foi conquistando a simpatia dos índios até que conseguiu civilizá-los. Ele os ensinou agricultura e pecuária e depois de um tempo também eles iam vender ou trocar as suas mercadorias nas aldeias vizinhas. Eu tinha muito medo que talvez um dia um deles pudesse aparecer em nossa roça. Um dia meu pai tinha esquecido uma das ferramentas bem perto da mata virgem e me pediu que fosse buscá-la. Com os joelhos tremendo e em companhia de nosso cachorro consegui enfim ir até lá. Quando cheguei aos arbustos perto da mata, ouvi um ruído e de susto fiquei primeiramente paralisada, porém de repente agarrei a enxada e corri ao que desse e pudesse. Provavelmente o ruído foi somente um galho que havia caído, o qual estava podre ou seco, ou mesmo um pequeno animal, no entanto para mim foi um susto horroroso.

Entrementes já havíamos comprado mais vacas e melhores cavalos. Tínhamos duas éguas marrons, Liese e Lotte, e um cavalo branco muito forte. Agora também tínhamos uma grande quantidade de galinhas e algumas delas punham seus ovos embaixo da nossa casa, que ficava a meio metro de distância do chão. Era sempre minha tarefa de rastejar embaixo da casa e colher os ovos. Na cozinha, porém, tinha uma tábua solta no chão que dava para levantar e facilmente pegar os ovos. Esta tábua estava perto daquela única parede de barro. Um dia meu irmão levantou aquela tábua e se apoiou naquela parede, porém ela não agüentou e caiu, com chaminé e tudo, no jardim. Enquanto isso tínhamos feito no jardim um canteiro com flores da melhor maneira que se podia fazer num solo de barro, de modo que a aparência da nossa casa já era bem melhor. Com esse acidente, a parede de barro foi então substituída por uma de tábuas de madeira.

No mínimo uma vez por semana minha mãe fazia uma lista de todas as coisas que nos faltavam, mantimentos e etc., e eu então pulava na garupa de um dos nossos cavalos e ia para Nova Bremen para fazer compras no “Consumo”. Lá era possível comprar fiado e quando o milho era colhido, ou mesmo com o leite que era recolhido diariamente, saldava-se a dívida. Quando cavalgava, colocava somente um cobertor no cavalo, pois não tínhamos selas.

Meu pai gostava e fazia muitos melhoramentos na casa e naturalmente com isso não lhe restava muito tempo para se preocupar com a agricultura e isso foi um erro. Aos poucos o nosso dinheiro foi acabando. Em um ano tivemos uma grande seca e toda a nossa plantação foi perdida, ou então investimos tudo na criação de porcos e de repente os preços dos porcos caíram tanto, que também aqui resultou em perda.

Nesse meio tempo recebemos vizinhos alemães. A família consistia de pai, mãe, uma filha, 2 ou 3 anos mais velha que eu, e um garoto da minha idade. Essa família comprou cerca de 10 minutos a pé de nossa casa, um pedaço de terra, o qual estava nas mesmas condições que a nossa terra no princípio.

Fizemos grande amizade com eles, de modo que passamos boas horas de lazer juntos. Aos domingos uma família visitava a outra ou atravessávamos o rio com a canoa e íamos juntos visitar uma outra família. As crianças se entendiam muito bem e gostávamos muito de brincar juntas.

Além disso, um ex-Oficial da 1. Guerra Mundial fixou residência nas nossas proximidades e vinha freqüentemente, nas suas horas livres, nos visitar, pois sozinho se sentia muito entediado. A primeira coisa que sempre dizia era: “Estou atrapalhando?” De fato ele era muito atarefado, pois tinha que fazer tudo sozinho. Além do plantio de suas terras, ainda tinha que arrumar sua casa e cozinhar. Nos momentos de pausa queria estar sempre em companhia e vinha com grande prazer nos visitar. Ele veio primeiramente sozinho ao Brasil para fixar a residência e sua esposa queria vir mais tarde. Porém, como sua mulher era muito mimada e uma mulher de cidade grande, ela preferiu ficar na Alemanha mesmo. O pobre homem sofria muito com sua propriedade, pois também ele não estava habituado ao trabalho árduo. Depois de um par de anos resolveu desistir de tudo e mudar-se para Nova Berlim (essa aldeia fica bem perto de Hammonia). Lá ele pegou um trabalho bastante simples e no final estava tão desesperado, que acabou se suicidando. Ele deu um tiro na sua cabeça.
Nossas experiências na fazenda eram numerosas e diversas e aqui quero somente mencionar algumas delas:

Um dia acordamos cedo e encontramos minha irmã em sua cama com o corpo completamente rígido e não podia movimentar nenhum membro. Meus pais ficaram terrivelmente assustados e não sabiam o que fazer. Para ir até o próximo médico em Hammonia era impossível e levaria horas para chegar lá. Decidiram consultar o livro de medicina e deram algumas pílulas muito fortes da própria farmácia domiciliar. Porém somente dias mais tarde, começaram a aparecer os primeiros sinais de melhoria e devagarzinho minha irmã pode se mover normalmente. Disseram-nos que provavelmente foi uma picada de aranha que causou essa paralisia.
Uma vez eu também tive a seguinte experiência: Acordei no meio da noite sentindo umas coceiras e coisas caminhando sobre meu corpo e chamei minha mãe: “Mãe, venha depressa. Estou com um monte de pulgas!” Quando minha mãe ascendeu a lâmpada de petróleo, ela verificou que tinha um monte de formigas migrantes atravessando a minha cama. Essas formigas migram em milhares numa região e comem todos os pequenos insetos que encontram pelo caminho, como baratas, aranhas, pequenos ratos e outros tipos. Graças a Deus eu era muito grande para elas, pois, caso contrário, também teriam me comido.

Freqüentemente passavam enormes rebanhos de animais ou manadas, algumas vezes também centenas de cavalos pelo nosso território. Estas “tropas” eram acompanhadas por muitos “tropeiros” que vinham dos planaltos e que eram levadas até a próxima cidade para serem vendidas por lá. Freqüentemente acontecia que uma rês, com seus grandes chifres, invadia uma loja de “Secos e Molhados” e se embaraçava nas coisas que estavam penduradas no teto. Se, por um acaso, se era pego em flagrante com a charrete no meio do caminho de uma tropa, o melhor que se podia fazer era parar e deixar que todo o rebanho passasse, pois senão era colisão na certa.

Quando os “Tropeiros” voltavam, com a bolsa cheia de dinheiro, paravam normalmente em uma venda para empurrar, com um copo de pinga, a poeira da estrada e assim de vez em quando acontecia uma troca de tiros.
Muito raramente passava um carro por nossa região, pois as ruas eram muito ruins e quando chovia só era possível passar com correntes de lama presas nas rodas e mesmo assim, acontecia que os carros acabavam atolando na lama. As grandes carretas, as quais estavam muito carregadas, só podiam andar com quatro trações. Durante o período de chuvas era terrível, pois em toda parte só tinha lama e grandes poças de água. De vez em quando, então, fazia bastante frio. Às vezes, pela manhã, havia uma camada fina de gelo nas poças de água. No nosso pátio tinha um grande chiqueiro e um galinheiro. No período de chuvas de vez em quando tudo se inundava e eu precisava atravessar um lago gelado para ir apanhar os ovos das galinhas. Mais tarde, meu pai resolveu abrir uma vala através de uma pequena colina e assim a água podia escorrer melhor. Como em toda parte só tinha lama e no sair e entrar em casa carregávamos muito dela entre os dedos e na sola dos pés, tínhamos sempre dentro de casa um chão coberto de lama, de modo que, quando secava, ela tinha que ser raspada com uma enxada.

Com referência à nossa casa, ainda tenho o seguinte a contar: Os móveis foram feitos principalmente das caixas de mudança que trouxemos da Alemanha. Assim, algumas foram usadas como armários, outras foram usadas como camas cobertas com um saco de palha de milho ou então como sofá. Meu pai construiu com tábuas a mesa e os bancos, as quais foram compradas na serraria “Golnik”, que ficava meio hora a pé da nossa casa em direção a Nova Bremen, no começo do Caminho do Meio. Quando se seguia em frente nessa estrada, passava-se por várias fazendas. Os bisavôs desses proprietários tinham chegado ao Brasil com o fluxo de emigração alemã, que aconteceu há mais de 100 anos atrás. Essas pessoas ainda falavam alemão, porém a gramática deixava muito a desejar. Assim, uma vez, veio um garoto à nossa casa e queria buscar algo. Então viu um par de sapatos do meu pai, que provavelmente o agradou muito, o calçou e perguntou ao meu pai: “Die passen mich grade, kenn se mich die geben?” (a tradução é mais ou menos assim: “Eles servem me, pode a mim eles dar?”)
Como na nossa colônia não plantávamos nenhum outro cereal além de milho, minha mãe assava sempre pão de milho, enquanto que muito raramente tínhamos a oportunidade de ver e muito menos comer pão de trigo. No entanto nos acostumamos ao pão e ao sabor, que também era muito bom. Quando queríamos comer pão de trigo, colocava um saco de milho na minha frente, ao montar a cavalo, e o levava até o moinho em Nova Bremen, onde o trocava por um saco de trigo. À parte disso, tínhamos sempre muita carne de porco para comer, pois meus pais mesmo abatiam os animais e faziam carne salgada e salsicha, a qual também era defumada no nosso próprio defumador. A banha era aproveitada para passar no pão, pois manteiga era uma raridade na nossa casa e, além disso, o leite tinha que ser vendido para conseguir um pouco mais de dinheiro. Porém, frutas e verduras não faltavam às nossas refeições e comíamos com carne ou aipim, ou mesmo nhoques feitos com farinha de mandioca. Comprávamos a farinha de nosso vizinho, que tinha uma primitiva produção própria. Além da farinha, também tinha uma produção primitiva de açúcar. Por exemplo: era uma barraca grande na qual tinha no meio dela três rolos compressores. Esses rolos eram operados por um boi, cujos olhos estavam vendados, que andava em círculos. Dos dois lados dos rolos tinha uma pessoa que enfiava os caniços de açúcar de um lado e a outra pessoa pegava o caniço e novamente o enfiava nos rolos compressores para tirar todo o suco existente dos caniços. Embaixo dos rolos havia uma tina que captava o suco espremido. Este suco era cozinhado até que se formasse um açúcar não alvejado de cor marrom.

Minha vida como criança foi naturalmente muito diferente daquela que uma criança da cidade conhece. Os únicos brinquedos que possuíamos eram aqueles que meus pais confeccionavam, ou aqueles poucos que havíamos trazido da Alemanha na nossa mudança.
Aos sábados íamos freqüentemente tomar banho no rio. Entretanto tínhamos que caminhar através de várias propriedades de vizinhos, descer o monte até o Rio Hercílio. Esse rio era relativamente largo e tinha muitas pedras grandes. Nossa vizinha Antonia, que sempre ia junto conosco, vinha sempre nos encontrar e dizia: “Kommst Du mit Ascha wasch? (tradução semelhante a: “Você vem cú lavar?”

Meu pai construiu um caminho à nossa roça que era relativamente bom. Ele seguia através de uma garganta, morro acima até a nossa plantação. Assim podíamos transportar a nossa colheita com nosso trenó puxado a cavalo. Já tínhamos uma plantação de bananas maior do que antes e também muito milho.

Um dia meu irmão e eu carregamos com milho o nosso trenó até o limite máximo e depois nos sentamos encima daquilo tudo e assim partimos. Quando passávamos por um desfiladeiro, numa curva, o nosso trenó derrapou e caiu dentro de uma plantação de bananas e nós dois junto com todo o milho há mais ou menos dois metros barranco abaixo.

Freqüentemente mandávamos cortar a “Capoeira” (matagal cerrado) ou a mata, a fim de ter mais terra aproveitável. O operário cortava primeiro as plantas menores e os galhos inferiores das árvores e depois vinham as árvores mais volumosas. Ao redor da lenha que sobrava, limpava-se uma faixa larga de terreno e quando tudo estava bem seco, num belo dia ensolarado, queimávamos tudo. Porém, muitas vezes acontecia que as chamas pulavam por cima dessa faixa e começavam a arder do outro lado. De vez em quando as chamas eram imensas e o vento as espalhava rapidamente. Tudo e todos que tinham braços e pernas tinham que ajudar no combate às chamas usando um grande ramo verde de uma árvore.

Meu irmão, porém, não tinha mais vontade de levar esse tipo de vida, pois ele se tornara um rapaz de 15/16 anos. Resolveu, então, de uma forma ou de outra ganhar dinheiro. Primeiro viajou de uma fazenda a outra com um mercante de amostras de tecidos. Trabalhou por um período numa fazenda maior e de lá foi parar em Hammonia e trabalhou em um pequeno hotel. Ele largou depois este emprego e resolveu visitar várias cidades, a maioria delas capitais de estados brasileiros. Assim conseguiu cada vez mais sucesso no trabalho e conseguiu pegar a representação de grandes empresas.

Quando meu irmão uma vez voltou para casa para nos visitar, me deu de presente uma carteira com 10 mil Reis. Eu fiquei tão contente que, numa próxima oportunidade, usei esse dinheiro para comprar uma cabrita. Pouco depois ganhei de um outro colonizador dois cabritinhos. Infelizmente um deles faleceu logo em seguida, porém o outro cresceu e pouco tempo depois a minha cabrita teve dois cabritinhos. Um era preto e o outro todo branco.

Minha irmã resolveu aceitar um emprego em Trombudo, cujo anúncio havia aparecido no “Mensageiro da Selva”, como professora particular numa família alemã.

Após termos vivido três anos na nossa colônia, foi oferecido ao meu pai uma possibilidade de trabalho, onde poderia ganhar dinheiro de uma maneira mais fácil. Estava sendo programada a chegada à nossa área uma grande quantidade de emigrantes alemães/russos (Menunitos), que deveriam ficar na região do Rio Craul. Meu pai então foi empregado numa comissão de recepção em Hammonia.